Bioeconomia Amazônica como catalisadora de uma economia verde e inclusiva para a região

O blogger convidado Virgilio Viana explica o vasto potencial da Bioeconomia Amazônica para promover a equidade, proporcionar prosperidade, fomentar uma produção sustentável, e proteger a natureza.

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Insight by 
Virgilio Viana
Diretor geral da Fundação Amazônia Sustentável (FAS)
17 January 2023
Collection
Putting social and environmental justice at the core of conservation, climate and development
A series of blogs and case studies scrutinising approaches to tackling the nature and climate crises
Old woman walks in the forest holding a stick.

Agricultora na parte da Reserva do Juma na Amazônia brasileira (Foto: Neil Palmer/CIAT via FlickrCC BY-NC-ND 2.0)

A Amazônia é fundamental para o futuro do Brasil e do planeta ao ter um papel essencial no equilíbrio climático. A riqueza da biodiversidade amazônica é imensa: mais de 2 mil espécies de peixes, 14 mil espécies de plantas, entre 9 a 120 mil espécies de insetos e cerca de 1,5 milhão de espécies de fungos, dentre outras formas de vida. A região  é essencial para manter o regime de chuvas que alimenta a produção agropecuária, a geração de energia hidroelétrica e o abastecimento urbano de água. Uma das mais graves preocupações da atualidade é o risco de um colapso ecológico da Amazônia, ou o ponto de não retorno (“tipping point”).

Indicações do colapso ecológico já são observadas, tais como alterações no regime de chuvas, prolongamento da estação seca, aumento da frequência de incêndios florestais e mortalidade de árvores e, consequentemente, empobrecimento dos ecossistemas florestais. Em 2021, segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais a taxa de desmatamento da Amazônia Legal aumentou em 21,97% em um ano, alcançando um valor estimado em 13.235km (PDF)

Existe uma demanda regional por geração de riquezas, necessidade de reduzir as desigualdades e melhorar os indicadores sociais da região. A Amazônia está na lanterninha do Brasil: os estados do Maranhão e Amazonas, por exemplo, lideram o ranking da pobreza, como aponta pesquisa publicada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, e o Amazonas tem a quinta maior taxa de mortalidade infantil (PDF), segundo dados também do IBGE. 

A tarefa é enorme. É necessário conciliar a melhoria da qualidade de vida da população da região, que somente no Brasil representa aproximadamente 30 milhões de habitantes, e a manutenção dos serviços ambientais. Tarefa desafiadora, porém essencial. Nesse cenário, a Bioeconomia Amazônica pode ter um papel estratégico. 

A premissa teórica – mas o que é a Bioeconomia Amazônica? 

Podemos definir a bioeconomia amazônica como o conjunto de atividades econômicas relacionadas às cadeias produtivas baseadas no manejo e cultivo da biodiversidade nativa. Inclui as cadeias produtivas de biocosméticos, biofármacos, nutracêuticos, biocorantes, fibras e outros produtos. Ademais, contribui para o desenvolvimento sustentável e reverte o processo de êxodo e drenagem de jovens cérebros para as cidades. 

Consideramos a bioeconomia amazônica como uma catalisadora de uma economia verde e inclusiva para a região. Utilizamos como referência a definição de economia verde e inclusiva adotada pela Green Economy Coalition (GEC) que parte da visão de uma economia verde que “proporciona prosperidade para todos dentro dos limites ecológicos do planeta” Essa economia verde segue cinco princípios-chave: 1) uma economia verde permite que todas as pessoas criem e desfrutem da prosperidade; 2) promove a equidade entre e dentro das gerações; 3) protege, restaura e investe na natura; 4) é voltada ao apoio ao consumo e à produção sustentáveis; e 5) é guiada por instituições integradas, responsáveis e resilientes. 

A estratégia para o desenvolvimento da bioeconomia amazônica deve buscar o fomento a cadeias produtivas sustentáveis baseadas no manejo e cultivo da biodiversidade amazônica, com agregação de valor local e fomento ao empreendedorismo. Para isso, são propostos dez eixos para uma estratégia de fomento à Bioeconomia Amazônica:

 

Design of an infinite symbol drawn in 8 colours, with 10 numbers around it.

Os dez eixos que apoiam a Bioeconomia Amazônica 

  • 1. Mapeamento dos sistemas de produção 
  • 2. Desenvolvimento de ciência, tecnologia e inovação 
  • 3. Mapeamento e valorização do etnoconhecimento 
  • 4. Formação de capital humano relacionado ao conhecimento, manejo e uso sustentável  da biodiversidade 
  • 5. Fomento ao empreendedorismo, de produtos tradicionais até startups disruptivas 
  • 6. Desenvolvimento de arranjos inovadores para financiamento híbrido (blended finance) 
  • 7. Atração de investimento público e privado para as cadeias produtivas 
  • 8. Investimentos para melhorar a qualidade de vida das populações, como acesso à água potável, energia elétrica, logística, comunicação, educação e saúde 
  • 9. Criação de mecanismos de governança 
  • 10. Aprimoramento de políticas públicas de apoio às cadeias produtivas sustentáveis. 

A solução – quem tem medo da Bioeconomia Amazônica? 

É possível a redução do desmatamento por meio da valorização da floresta em pé. O desafio é gigantesco e deve ser enfrentado com uma ousadia compatível à magnitude da Amazônia. Mas como manter a floresta em pé e assegurar seus serviços ambientais? 

A resposta convencional é que o desmatamento pode ser reduzido por meio de ações de fiscalização e proteção ambiental mais eficazes. Isoladas, políticas ambientais não são suficientes. Essa é a resposta de um Brasil que ainda não acordou para a necessidade de investir de maneira séria na Bioeconomia Amazônica. 

A nossa resposta é outra, é uma em que a floresta vale mais em pé do que derrubada. É uma que concilia as agendas sociais, ambientais e econômicas, levando em consideração as particularidades e especificidades das diferentes ‘Amazônias’. É uma que busca o desmatamento líquido zero. Com política de Estado, com planejamento estratégico, visão de longo prazo e apoio da sociedade. 

Nessa direção, a Fundação Amazônia Sustentável (FAS), ao longo de seus 14 anos de atuação na Amazônia, vem buscando construir um ecossistema de inovação e de experimentação único e essencial para o surgimento de alternativas econômicas sustentáveis pautadas no fomento de diferentes cadeias produtivas da bioeconomia amazônica e fortalecimento de diálogos e redes de colaboração locais. No decorrer de sua trajetória, a FAS já investiu mais de US$100 milhões em infraestrutura produtiva, equipamentos, construção de capacidades e apoio à comercialização de diversos produtos da biodiversidade. 

Nas áreas com atuação da Fundação, o desmatamento foi reduzido em 30% entre 2008-2012 e ainda em 43% entre 2013-2017 (PDF). Isso contrasta fortemente com outras partes da Amazônia onde o desmatamento se consolidou. 

Dois exemplos concretos apontam os caminhos para a Bioeconomia Amazônica: 

O que falta para termos dezenas ou milhares de exemplos similares ao do açaí e do pirarucu? 

Investimento em inovação e desenvolvimento, associado à coordenação de alianças inter-institucionais se mostram urgentes. 

Existem muitas iniciativas inspiradoras espalhadas pela Amazônia com o objetivo de  salvaguardar seu futuro. Mas essas diversas políticas, empreendimentos e projetos lutam  para se conectar uns aos outros, para fornecer impulso para uma mudança sistêmica ou para lidar com as causas subjacentes do desmatamento. Faz-se necessário o desenvolvimento de  novas abordagens que não apenas ampliem e conectem os programas bem-sucedidos existentes, mas que permitam que novas atividades econômicas verdes surjam, prosperem e se tornem comuns. 

O Hub de Bioeconomia Amazônica 

É nesse contexto que foi formado, em 2020, o Hub de Bioeconomia Amazônica, parceria entre a Fundação Amazônia Sustentável e a Green Economy Coalition, com o objetivo de destravar a agenda de bioeconomia amazônica e atrair novos fluxos financeiros para a região. 

Ambicionando alçar a Amazônia ao status de referência em bioeconomia, o Hub une a experiência local da FAS, que atua no território amazônico desde 2008, com a visão global do maior movimento de transição para economias verdes e justas do mundo, a Green Economy Coalition. Desse olhar tanto local quanto global, somando-se a interação com diferentes atores e parceiros do ecossistema da Amazônia, nasce essa aliança ‘glocal’ que vem buscando superar os maiores gargalos da bioeconomia amazônica. 

O Hub atua através de uma abordagem sistêmica e integrada em cinco eixos estratégicos: geração de conhecimento, articulação intersetorial, advocacy e mecanismos financeiros para articular, conectar e amplificar experiências e soluções para uma economia verde e inclusiva na Amazônia. 

Para saber mais sobre como fazer parte do Hub, acesse aqui.

About the author

Virgilio Viana é diretor geral da Fundação Amazônia Sustentável (FAS) e é um dos principais especialistas brasileiros em florestas, meio ambiente e desenvolvimento sustentável.

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