Financiamento climático para as comunidades da floresta: o Fundo Dema
Este estudo de caso analisa como o Fundo Dema apoia a ação da comunidade para proteger a Amazônia brasileira. O fundo alcança comunidades geograficamente remotas que são amplamente excluídas de programas sociais e serviços governamentais, incluindo povos indígenas, comunidades quilombolas, agricultores de subsistência e mulheres.
Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e o Acordo de Paris prometeram apoio para ajudar os países em desenvolvimento a lidar com as mudanças climáticas. O financiamento climático internacional está crescendo - mas poucos fundos dedicados ao financiamento climático estão alcançando pequenas iniciativas lideradas localmente. Um estudo recente do IIED mostrou que menos de US$ 1 a cada US$ 10 do financiamento climático busca explicitamente apoiar a ação climática local.
O IIED está pesquisando soluções a fim de obter financiamento climático a nível local. Estamos desenvolvendo estudos de caso de boas práticas com foco em investimentos que não limitem o acesso e os direitos à terra e aos recursos naturais, que apoiem a ação climática local e que demonstrem formas inovadoras de gerar confiança entre financiadores, intermediários locais e comunidades.
O Fundo Dema opera no estado do Pará, no norte do Brasil, concentrando-se em uma área significativamente afetada pelo desmatamento com um histórico de conflitos por causa de terra. O fundo foi criado em 2004 para ajudar as comunidades que têm direitos de manejo sobre terras e recursos específicos. Ele dá suporte a:
- povos indígenas,
- pequenos produtores,
- comunidades quilombolas e
- mulheres
Ele os ajuda a reivindicar seus direitos com base em laços históricos com os territórios florestais da Amazônia, a investir no manejo florestal sustentável para melhorar seus meios de subsistência e a restaurar áreas florestais degradadas.
O Fundo foi inicialmente criado através de uma dotação do governo provinda de leilões de madeira extraída ilegalmente e uma contribuição da Fundação Ford. O Fundo Dema, desde então, tem atraído fundos da parte de uma variedade de doadores.
O fundo administra quase US$ 6 milhões. Ele opera quatro fluxos de financiamento separados desenvolvidos para as comunidades, e governados por elas. A maioria das doações é de menos de US$ 9.000. Até hoje, o fundo investiu em quase 500 projetos, envolvendo 78.500 pessoas de 1.900 comunidades florestais remotas e socialmente excluídas.
“Acreditamos que unir as prioridades das comunidades a fim de obter meios de subsistência sustentáveis, apoiá-las a ganhar representatividade e voz para lidar com as relações subjacentes de poder que conduzem ao desmatamento, à vulnerabilidade climática e à pobreza, e proporcionar doadores com meios para financiamento em grande escala, representam uma mudança significativa ao deixar para trás uma atitude geral de apatia por parte de ONGs ou do governo. ”
Projetos financiados
As iniciativas abaixo são exemplos dos tipos de projetos apoiados em cada uma das janelas de financiamento:
O Fundo Quilombola é administrado por comunidades quilombolas - descendentes de escravos que escaparam das plantações onde eram escravizados durante o século XIX.
A comunidade quilombola do Gurupá, em Belém, usou seu investimento para construir fornos mais eficientes a fim de fabricar farinha de mandioca. 220 pessoas em 120 famílias aprenderam a construir fornos e a comercializar sua farinha de uma melhor forma, aumentando a produção e a renda, ao passo que também reduziam os riscos à saúde relacionados à fumaça e ao uso do carvão.
• O Fundo Luzia Dorothy do Espírito Santo é administrado por organizações de mulheres do campo.
Este fluxo de financiamento as tem apoiado a criar hortas agroecológicas para 21 mulheres, aumentando sua independência econômica, renda e segurança alimentar. Também ajudou essas mulheres em outros desafios, incluindo a violência doméstica.
• O Fundo Xingu é administrado pelos povos indígenas do Xingu.
A tribo indígena caiapó, da aldeia Baú, na região sul de Altamira, tem como objetivos: proteger seus territórios da extração de madeira e da pesca ilegais, além de melhorar os meios de subsistência locais. Usou seu investimento para fortalecer a tecnologia da informação para relatórios e engajamento, ademais de estabelecer um projeto agroflorestal para 45 pessoas de 11 famílias. Eles plantaram 2.000 árvores em três hectares e estão trabalhando com o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis para controlar os incêndios florestais e combater o desmatamento.
• O Fundo Geral cria capacidades estratégicas, trazendo a assessoria técnica e estratégica necessária para desenvolver as habilidades das partes interessadas de forma geral e no que diz respeito a gerenciamento de projetos.
A Associação Casa Familiar Rural, em Rurópolis, na Transamazônica / Xingu, capacitou 40 produtores para o manejo sustentável de açaizais nativos, incluindo como melhorar o abastecimento de água, comercialização e reflorestamento. Isso melhorou os meios de subsistência e fortaleceu a associação local.
Rompendo barreiras - percepções do Fundo Dema
Nossa pesquisa identificou quatro fatores que são especialmente importantes para romper as barreiras entre financiadores de larga escala e comunidades locais. Analisamos como a estrutura e as formas de operação do Fundo Dema estão alinhadas com esses elementos.
1. Gerar confiança e compreensão compartilhada dos riscos
O Fundo Dema usa sua estrutura de governança forte e responsável para gerar confiança entre doadores e comunidades.
O Fundo é patrocinado pela ONG brasileira FASE (Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional). A FASE é uma ONG respeitada e fornece credibilidade externa. Seu contínuo suporte jurídico e técnico garante altos padrões de relatórios e tem ajudado a projetar uma sólida estrutura de governança que inclui funcionários da FASE e representantes da comunidade no comitê diretivo e no conselho consultivo que monitora o desempenho do fundo. Aderir aos padrões legais e administrativos da FASE garante aos doadores que o fundo tenha uma forte gestão. O sistema de dados da FASE, agrega informações financeiras e resultados para cada fundo territorial e exibe um perfil para cada grupo apoiado, criando assim uma transparência significativa para os doadores. A secretaria do fundo investiu na transparência, exibindo todos os documentos em seu site.
Esse modelo de gestão descentralizado e aberto é fundamental para o sucesso do fundo, conquistando a confiança das comunidades que desencadearam sua criação.
2. Agregar finanças em grande escala
O Fundo Dema é uma plataforma eficaz de agregação: é um intermediário entre grandes doadores com altos padrões de relatórios e pequenos grupos geograficamente remotos em comunidades que não têm experiência em administração.
A maioria dos subsídios varia entre US$ 1.000 e US$ 9.000, com o fundo para as mulheres tendo um limite de US$ 3.000. Para se candidatar, uma organização comunitária deve ter pelo menos cinco famílias, ter mais de dois anos de existência e ser recomendada por dois outros grupos comunitários.
A FASE apoia os esforços do Fundo para agregar iniciativas individuais priorizadas pelas comunidades.
Para plataformas como o Fundo Dema, que são baseadas em movimentos sociais, articular o valor de abordagens flexíveis e holísticas ao relatar os resultados aos doadores é um desafio: a variedade de atividades financiadas pode parecer confusa e não estratégica. A Fundação Ford ajudou o fundo a desenvolver uma teoria narrativa da mudança que tem ajudado a atrair financiamento de doadores tais como o Fundo Amazônia.
“O fundo está educando os doadores sobre a importância de julgar o sucesso pelos resultados, e não por meio de projetos de cima para baixo que não se ajustem ao contexto local ou que não lidem com as relações de poder subjacentes ao desmatamento local e com a vulnerabilidade climática. Ele gera representatividade e direitos de acesso aos recursos para uma gama de comunidades diferentes com desafios contextuais muito específicos ”.
3. Definir a direção e as regras
O fundo apoia comunidades locais para organizar e participar de eventos como audiências, debates e protestos. Isso ajuda as comunidades a se engajarem de forma direta nas tomadas de decisões locais e nacionais, em vez de fazer com que o fundo ou outros atores falem em seu nome.
4. Construir capacidades a longo prazo
As comunidades que o Fundo Dema apoia têm experiência limitada em articular suas prioridades em formato de projeto ou em administrar projetos de maneiras que atendam aos requisitos dos doadores em questões como aquisições. O fundo gasta 75% do seu orçamento de não investimento em assistência técnica. Voluntários provenientes de movimentos sociais ajudam as comunidades a desenvolver projetos, apoiam-nos na administração e fazem relatórios por meio de oficinas semestrais de prestação de contas. Encontrar voluntários capazes é um desafio crítico quando o fundo se expande para novos municípios.
O fundo geral desempenha um papel estratégico, financiando projetos que criem capacidades de longo prazo nas comunidades. O fundo investiu em rádio comunitária, conexões de internet para escritórios comunitários, treinamento de campanhas de apoio e reuniões.
A estrutura de governança participativa do fundo e o envolvimento da comunidade nos processos de tomada de decisão estão ajudando a gerar capacidades de longo prazo para desenvolver soluções para a propriedade local.
“O fundo vincula o meio ambiente e os resultados sociais por fortalecer as comunidades e sua capacidade de tomar decisões sobre os fundos, possibilitando o investimento na produtividade sustentável dos meios de subsistência da família e em sua ação coletiva ao reconhecer e proteger seu direito à terra.”
Recursos adicionais
Leia mais sobre o nosso trabalho no que tange a obter financiamento climático a nível local: Mobilizando dinheiro para onde é importante
Contact
Marek Soanes (marek.soanes@iied.org), researcher, IIED's Climate Change research group